Eu, meu filho e a morte
Uma tarde peguei o meu “fiote” e fomos passear na universidade. Ele devia estar com três ou quatro anos na época.
Começamos a fazer um jogo que até hoje não sei quem o ensinou. Mas era mais ou menos assim:
Ele _ O que é o que é? É um cachorro, mas não é um cachorro?
Eu _ Um gato!
Ele_ Não! É um cachorro preto!
Ele_ O que é o que é? É um passarinho, mas não é um passarinho?
Eu _ Um passarinho preto!
Ele_ Não! É a mãe do passarinho!
Já deu pra ver que nunca ganhei este jogo, né?
E quando eu fazia as perguntas ele me dava respostas que mesmo estando erradas não havia como não aceitá-las. Tipo:
Eu _ O que é o que é? É um porquinho, mas não é um porquinho?
Ele_ O senhor!
Eu _ É um menino bobo, mas não é um menino bobo?
Ele_ Eu! Por que o menino bobo é o senhor!
E tome-lhe respostas que não me davam mesmo outra opção a não ser admitir a derrota com muito humor e carinho (torno a dizer: pai babão é uma merda!).
Mas neste dia eu, nem sei por que, comecei a perguntar sobre parentes:
Eu _ O que é o que é? É uma Vó Chiquinha, mas não é uma Vó Chiquinha?
Ele_ A mãe do senhor! Que falou que vai me dar presente quando eu chegar lá na casa dela.
Neste meio tempo sentamos no banco do ponto de ônibus e uma senhora começou a observar nossa brincadeira.
Continuamos.
E_ u O que é o que é? É um Vô “Ramundo”, mas não é um Vô “Ramundo”? (detalhe: meu pai havia falecido há pouco tempo, com leptospirose, aquela transmitida pelo xixi do rato).
Ele_ É o pai do senhor! Que morreu com doença de rato!
Aí não me contive e perguntei:
Santinho, você sabe o que é morrer?
Ele me olhou por uns segundos (acho que tentando achar uma definição naquela cabecinha “maisi linda do papai”), franziu a testinha (também “maisi linda”), e me respondeu que não.
Pai tem que responder né? Não pode deixar o filho com dúvidas, mas percebi que não tinha nada que mexer neste assunto. Como explicar a morte pra uma criança de três anos?
Ele continuou me olhando com aquela carinha curiosa, e eu percebi que não aceitaria um “depois eu explico” como resposta.
Respondi: morrer é “igualzim” dormir! Só que não acorda mais.
Ele franziu mais ainda a testinha e me perguntou: Nunca mais?
Eu olhei pra senhora, que cada vez mais prestava atenção na nossa conversa com um sorriso muito meigo no rosto. E respondi: Não meu santo! Quando morre não acorda nunca mais!
Ele olhou pra mim, olhou pra senhora, deu um sorriso maroto e tascou: "Lespaaaa ne morrer"!
Eu não me contive, e a senhora também se dobrou de rir. Abracei forte o meu santinho e agradeci a Deus por este presente.
Resumindo: o que é o que é? É saudade, mas não é saudade? Resposta: É MUITA SAUDADE! (Até que enfim ganhei uma neste jogo!)