Broa de Fubá
Eu era menino quando isto aconteceu.
Morávamos em Belo Horizonte, em um bairro novo de Venda Nova, ruas sem calçamento, uma poeira danada, água de cisterna (o que aumentava a poeira, pois as pessoas jogavam na rua a terra que saía quando cavavam as cisternas).
A vizinha dos fundos de minha casa, Dona Aparecida, tinha um monte de filhos, nem me lembro quantos ao todo, mas de um não há como esquecer, o mais novo.
Não sei o nome, mas todos o chamavam Dico. Podia ser Raimundo como podia ser qualquer outro nome também, apelido nem sempre tem a ver com o nome, não é mesmo?
Mas o nome do miserável é o que menos importa.
Dico era um daqueles meninos imundos que normalmente vemos nas reportagens sobre crianças pobres (e o danado nem tão pobre era, pelo que me lembro), ele era porco mesmo, vivia de poeira até a pestana dos olhos e o nariz escorrendo o dia inteiro (era nojento o “fedaputinha”).
Sabe quando o suor faz riscos na cara da pessoa? Isto era normal neste menino.
Apesar de na época já ter lá seus sete anos, ele andava com uma mamadeira, destas vagabundas, que tem a rosca da tampa cor-de-rosa ou azul (o pior é que de tão suja não dava nem pra saber que cor era aquilo).
O dia inteiro ele estava com aquela nojeira na mão.
Pois bem, postos os personagens principais em cena, vamos aos fatos.
Uma tarde quente por demais (disto eu me lembro bem), Dona Aparecida chamou a mim e ao meu irmão lá do seu quintal e nos perguntou se queríamos broa. Nem bem acabou de perguntar nós já pulamos o muro, pois o mesmo era baixo do nosso lado (pra voltar precisávamos dar a volta pela rua).
Começamos a comer a broa que, se me lembro bem, até que estava gostosinha, comemos vários pedaços.
Lá pelo sexto ou sétimo pedaço ela nos perguntou: “Tá gostosa a broa?
Respondi até com certa dificuldade, pois minha boca estava ainda cheia com o último pedaço: Tá uma delicia, “Don Parecida!”
Neste ponto é que, até hoje, me pergunto uma coisa que nunca soube responder: Por que, meu Deus? Por que aquela égua não se calou? Por que teve que fazer o comentário que fez? Estava tão gostosa a broa... Pra que aquela “fedaputa” teve que abrir aquela bocarra pra dizer: “Esta broa eu faço com o resto da mamadeira de Dico!”
Na hora eu ouvi algo dentro do meu estômago fazendo: “TOIIIIIIIMMMMM!”
Senti minhas tripas revirarem-se, meus olhos encheram d’água, e aquele último pedaço de broa cresceu como espuma dentro de minha boca. Não descia, eu mastigava (ou melhor, ruminava aquela porcaria) e nada... Não passava na goela de jeito nenhum. Eu suava como tampa de chaleira (e não era pelo calor que estava fazendo).
Até que não me agüentei mais e disse (ainda com a boca cheia): “Don Parecida”, eu tenho que ir embora! Daqui a pouco pai chega e não gosta que eu esteja fora de casa!
Saí correndo, e antes de chegar à esquina já estava colocando a broa pra fora.
Assim que cheguei em casa contei pra minha avó, que no mesmo dia chamou Dona Aparecida no muro e perguntou se era verdade que a Broa era feita com o resto da mamadeira daquele menino imundo (minha avó era PHODDA, não deixava nada pra depois). E Dona Aparecida respondeu: “Nãooooo! Ele entendeu mal! É o resto que fica no caneco, não do que vai na mamadeira!”
Tá bom... mas o estrago já estava feito! Nunca mais comi broa (ou melhor, comi sim, uma outra vez, mas depois conto esta).
Eu olho um pedaço de broa e vejo aquela cara imunda na minha frente.
Resumindo: Se um dia me convidar pra ir a sua casa, não me ofereça broa. Evite dois trabalhos: o de você me oferecer e o meu de recusar de imediato!